sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Eixo 2 x TCC

No eixo 2, na Interdisciplina de Desenvolvimento e Aprendizagem sob o enfoque da Psicologia estudamos sobre os conceitos de Inconsciente, Repressão, Complexo de Édipo, Transferência... Sobre conceitos de Id, Ego e Superego, sobre as fases do desenvolvimento afetivo, sobre os mecanismos de defesa e a a possibilidade e/ou impossibilidadeda psicanálise na educação. Trabalhamos com uma Trilha Psicanalítica, onde passavamos por pedras para chegar ao fim da trilha. Cada pedra era um desafio de uma atividade a ser realizada. A última pedra tinha o seguinte desafio:
Construção, de acordo com a teoria estudada, de uma história envolvendo um personagem professor fictício.
Esse trabalho foi desenvolvido em grupo. Lembro que nos reunimos e pensamos em muitas coisas, mas nada nos contentava, não conseguíamos contemplar o que desejavamos sobre as teorias estudadas. Até que fiz um comentário relatando uma situação que estava vivenciando em sala de aula, desabafei minhas angústias com as colegas e foi daí que surgiu a idéia de, baseadas nesses acontecimentos reais, escrevermos a nossa história.
Não lembrava mais disso e hoje, quando li novamente essa história, fiquei emocionada lembrando desse aluno e de tudo o que vivenciamos naquele período.
Essa história veio de encontro ao tema que estou pesquisando e me faz cada vez acreditar mais que a relação afetiva entre professor e aluno é fundamental no desenvolvimento da aprendizagem, não que ela seja determinante, mas é um fator facilitador desse proceso.
Abaixo a história criada pelo grupo.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Desenvolvimento e Aprendizagem sob o Enfoque da Psicologia
História fictícia baseada em fatos reais elaborada pelas seguintes alunas:
* Lígia Regina dos Passos
* Luíza Amélia Chiavaro
* Marinês de Medeiros
* Nara Souza de Oliveira


A Senhora Sorridente e o Menino dos Olhos Tristes



.
Lá estava ela ...
Ainda lembro como se fosse hoje...
Seu rosto sorridente, seus modos carinhosos para com todos, me irritava. Como ela poderia agir assim?
Eu tinha seis anos, primeiro dia de aula, meu pai me trouxe e ficou ali parado comigo, sempre olhando o relógio, eu percebi que estava com pressa e queria ir embora, mas até saber quem seria minha professora ele ficaria ali.
Quando anunciaram que a minha professora seria a professora Ana, tive vontade de sair correndo, ficaria com a Senhora Sorridente. Não demorou um minuto e meu pai foi embora e disse que eu fosse sozinho para casa, pois ele iria trabalhar e não poderia vir me buscar. Tudo bem!
Senhora Sorridente foi nos colocando em uma salinha colorida, com mesinhas redondas, em grupos de quatro. Até que eu conhecia alguns colegas dali, pois moravam na mesma rua que eu.
Lembro que ela fez brincadeiras, jogos, musiquinhas com o nosso nome, mas ela me irritava.
Eu não queria estar ali, não queria ela, mas ao mesmo tempo...O jeito dela fazia com que eu sentisse algo que era uma mistura de sentimentos, difícil de explicar.
Então, tracei um plano: iria fazer com ela o que ela fazia comigo: iria irritá-la de tal forma que me mandaria embora.
E assim o fiz, gritei, chorei, debochei, cantei, briguei... Mas absurdamente ela não me mandava embora.Ela sentava do meu lado, agia com carinho, mas com firmeza, ouvia o que eu tinha a dizer, e quando estava certo me elogiava, e quando estava errado me explicava o porquê de não poder agir assim, e assim foi...
Teve um dia que ela pediu pra chamar meu pai, e aí sim achei que ela iria dizer a ele que me levasse embora. E ainda era o que eu queria. Na verdade queria morar com a minha mãe, mas ela tinha ido embora...
Mas não sei o que ela disse pra ele, e no lugar da bronca ele me deu colo! Nem me lembrava mais quando ele havia feito isso. E me disse que me amava incondicionalmente, sei lá o que queria dizer, mas gostei de ouvir!
Senhora Sorridente parecia um mistério para mim, o que disse ao meu pai? Qual o motivo que faz com que me ature? Por que não me manda embora?E se ela realmente gostar de mim? Não! Não posso pensar em gostar dela, não da senhora Sorridente não! Eu sei que todas elas nos mandam embora no final do ano, eu não quero gostar dela!
Mas o ano foi passando, deixe-me cativar pela Senhora Sorridente. Não ficava mais tão tenso quando me abraçava.
Fui visitar minha mãe nos dias das mães e dei a ela a lembrancinha feita na escola.
Meu pai foi percebendo que eu existia. Conversava mais comigo embora não deixasse de me dar umas broncas quando eu aprontava alguma.
Ás vezes ainda vinha o medo. Acho que era o mede de ser abandonado, rejeitado, mas ela me compreendia...
Ao final do ano fui aprovado para a próxima etapa. Foi feita uma festinha na sala. Tudo muito bom, e eu me sentia feliz, mas ao mesmo tempo triste. Tudo iria acabar? As conversas, o carinho, as bronquinhas...
Olhei fixamente para a professora e acho que ela entendeu o que estava sentindo, pois a Senhora Carinho, chegou perto de mim e disse-me: Parabéns estarei por aqui se precisares de mim!
Respirei aliviado, e voltei a brincar com meus colegas, me entendia e a meus colegas também, a todos ela dispensava a mesma alegria e carinho!
Aprendi muito mais que as letras, naquele ano. Parei de me esconder da vida e das pessoas, aprendi a voltar a confiar nas pessoas... Aprendi as coisas da vida!




Lá estava ele...

Seu rostinho triste ao lado do pai que parecia estar apressado, pois não parava de olhar o relógio. Qual o motivo de estar tão triste? Notei quando seus olhinhos cruzaram com os meus uma mistura de raiva e inquietude que não conseguia entender.
Todos ali estavam eufóricos, querendo iniciar mais um ano de aula.A expectativa era geral, tanto de pais como de alunos.
Notei que quando anunciaram minha turma o menininho triste seria meu aluno.Vi claramente a rejeição por parte dele. O pai o deixou vir e se afastou, ele entrou na sala meio arredio, sentou-se junto com mais três segundo sua preferência, mas seus modos eram um tanto agressivos e desdenhados...
OMenino dos Olhos Tristes se recusava a realizar as atividades, a brincar no grupo, a conversar sem gritar. Ridicularizava as músicas, debochava de tudo e de todos, e assim foi...
Percebia o quanto era incômodo para ele estar ali, eu sabia sua história. Sabia que a sua mãe o deixou, e foi morar com outra pessoa e este não o aceitou, e que da mesma forma o pai constituiu outra família, inclusive tendo mais um filho.
Então tracei um plano: ria fazer com ele o oposto do que ele fazia comigo e desta forma ele gostaria de estar ali.
E assim o fiz: o abracei, ouvi suas queixas, sequei suas lágrimas, tive paciência, conversei e expliquei o que cada situação queria dizer. O elogiei, mas também o repreendi quando era necessário.
Lembro que ele não me chamava pelo nome...
Teve um dia que pedi para chamar o pai dele. O pai sentou-se na minha frente e antes mesmo que eu dissesse qualquer coisa, disse-me que já não agüentava mais o menino, que ele estava impossível, brigão, respondão...Depois que o pai falou bastante, disse-lhe que tinha um filho maravilhoso, mas que estava precisando de carinho, atenção, colo, limites e paciência. Disse-lhe também que seria um processo longo, mas que deveríamos ser persistentes.
O pai calou-se com os olhos cheio de lágrimas e assentiu. Estava falhando como pai, mas havia tempo...
Saí daquela sala intimamente feliz. Anos e anos de magistério, inúmeras crianças que vem e que vão, cada um com suas histórias. Nem sempre soube agir com todos eles, tive muitos Olhinhos Tristes em minha turma ao longo destes anos, fui impaciente, achava que a rejeição era para com minha pessoa, os mandava para a orientadora, reclama aos pais, os ignorava, ou então batia de frente com eles. Mas como aquele pai havia dito: havia tempo... Aos poucos e com a maturidade que docência nos impõe fui revendo meus conceitos, me aperfeiçoando, me qualificando, entendendo...
Daquele dia em diante notei mudanças em Olhinhos Tristes. Olhava-me de uma maneira estranha, querendo saber alguma coisa. Dias depois me revelou que seu pai estava mais carinhoso e até colo havia ganho.
Fizemos uma lembrancinha para o dia das mães e ele me disse feliz que iria visitar sua mãe e que o entregaria a ela.
Sua resistência foi aos poucos diminuindo, já não se retesava quando o tocava, o processo foi realmente longo e em certos momentos parecia que todo o progresso retrocedia. Mas seguíamos em frente!


Ao final daquele ano, ele foi aprovado, Olhinhos Já Não Tão Tristes, me olhava fixamente na festinha de despedida, cheguei perto dele e disse-lhe: Parabéns estarei por aqui se precisares de mim!
Ensinei a ler, ensinei a escrever e tantas outras coisas.
Mas aprendi também a compreender mais as coisas da vida !

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